canudos plásticos

Banir os canudos plásticos é a solução?

Parar a produção e distribuição dos canudos plásticos é essencial para reduzir a quantidade de resíduos, uma vez que o processo de reciclagem não acontece.

Os canudos plásticos viraram foco de uma grande discussão sustentável no Brasil. As constantes imagens de resgate de animais marinhos afetados pelos plásticos incendiaram uma série de ações a favor do banimento dos canudinhos – e outros produtos considerados de uso único – em estabelecimentos comerciais.

Segundo relatório da ONU, cerca de 8 a 13 milhões de toneladas de plástico entram nos oceanos, que ameaçam a qualidade de vida humana, da água e dos ecossistemas naturais marinhos. O estudo ainda diz que 50% dos produtos feitos com o material são consumidos apenas uma única vez.

O canudo plástico é visto como símbolo de toda esta discussão, acusado como maior exemplo de desperdício e impacto ambiental. Em diversos lugares ao redor do mundo, inclusive em cidades brasileiras, estão surgindo leis que colocam o produto como vilão da história. Diversas empresas globais também estão anunciando medidas para eliminá-lo de seus produtos em um curto espaço de tempo.

Não há dúvidas do efeito nocivo do plástico ao meio ambiente, assim como qualquer outro que chega ao final da sua vida útil e não recebe a destinação correta. Porém, é preciso ver os dois lados da moeda. O banimento é a melhor solução? Qual é o papel da indústria do plástico nesta história?

A favor do banimento dos canudinhos

De acordo com Anna Carolina Lobo, coordenadora do Programa Mata Atlântica e Marinho do WWF-Brasil, o plástico é sim o maior responsável pela poluição nos oceanos, principalmente o microplástico. Como o próprio nome se refere, são pequenas partículas – de 1 a 5 milímetros – presentes na produção de diversos produtos para além das sacolas e canudos plásticos.

“O microplástico é encontrado em calças jeans, cosméticos, pastas de dente e até em bitucas de cigarros. Algumas matérias veiculadas recentemente colocaram as bitucas de cigarros como o principal vilão do momento, mas, na verdade, após o item ser dissolvido nos mares apenas o que resta dele é o microplástico”, explica Lobo.

A União Europeia espera que até 2021 vai banir os produtos plásticos considerados de uso único em todo o seu território. Já a Califórnia, nos EUA, começou a multar estabelecimentos que entregam canudos plásticos – em casos recorrentes, existe até mesmo pena de prisão.

“Este movimento é crescente no Brasil. Rio de Janeiro, Fernando de Noronha e outras cidades litorâneas, principalmente, estão adotando políticas contra estes materiais. Sem dúvida, isso representa um impacto muito grande do não descarte inadequado dos resíduos plásticos nos oceanos”, complementa Lobo.

O Rio de Janeiro foi o primeiro estado a se posicionar quanto ao assunto. A lei dos canudinhos – como ficou conhecida em todo o País – desencadeou uma série de projetos em outras regiões brasileiras, proibindo a distribuição dos canudos plásticos em estabelecimentos comerciais.

É importante ressaltar que o canudo não representa todo o universo de resíduos plásticos nos oceanos, no entanto, ele exerce um impacto muito grande na educação dos consumidores e dos próprios bares e restaurantes. “É um produto de vida única, que dura cerca de cinco minutos na mão da pessoa. O canudinho pode ser facilmente recusado e não tem uma importância vital para o consumo do líquido. Quando necessário – em casos de pessoas com deficiência física ou para tomar uma água diretamente do coco, por exemplo –, nós temos opções para substituir o plástico, como canudos de bambu, papel e metais”, diz Anna Lobo, do WWF-Brasil.

De fato, a lei dos canudinhos se propõe a fazer apenas uma coisa: banir o produto. Porém, é preciso fiscalizar os negócios e educar a sociedade para que o resultado seja eficaz. Apesar do pioneirismo, o Rio de Janeiro pecou na sua fiscalização e os canudos plásticos continuam sendo utilizados em diversos pontos comerciais da cidade.

Para Anna Lobo, frear a produção e distribuição deste e outros materiais plásticos de uso único são ações definitivas para este momento. Segundo ela, cerca de 95% dos plásticos quando chegam às mãos dos consumidores são descartados em seu primeiro e único uso. Além de banir a produção, a regulamentação do descarte inadequado também se faz necessária. Afinal, 80% do lixo que chega aos oceanos são gerados em terra, arrastados pelas chuvas aos córregos e rios e, por fim, acabam nos oceanos.

“Hoje em dia, 90% das aves têm sido encontradas mortas com lixo no estômago, além de animais marinhos como baleias e golfinhos. O próprio pescado que as pessoas comem já contêm microplásticos em seus estômagos. Então, estamos consumindo plásticos que nós mesmos produzimos. A estimativa de que até 2050 terão mais resíduos plásticos do que peixes nos oceanos é real”, ressalta.

Segundo informações da ONU, o mundo produz 300 milhões de toneladas de lixo plástico por ano. Somente 14% é coletado para o processo de reciclagem e, pior ainda, 9% do volume total é, de fato, reciclado. Entre os motivos estão a constatação de que nem todo plástico é reciclável e a falta de conscientização pública quanto à prática.

Estabelecimentos comerciais

Empresas e estabelecimentos comerciais também desempenham um papel importante em toda esta discussão. Burger King, Starbucks e McDonald’s são algumas marcas internacionais que aderiram ao movimento. A Nestlé, por exemplo, está delineando planos para eliminar de maneira gradual o plástico de seus produtos. O plano geral é utilizar apenas materiais puramente recicláveis e reutilizáveis até 2025, segundo comunicado oficial. De acordo com o comunicado da Nestlé, nem mesmo o 100% de reciclabilidade do material não é capaz de resolver o problema da poluição plástico como um todo.

A AccorHotels também aderiu a campanha contra os canudos plásticos. “É uma iniciativa ousada e que impacta em uma mudança de costumes de todos. Para alavancar esta mudança comportamental, investimos esforços em compartilhar informações sobre o tema com nossos colaboradores e clientes, além de levar o tema para a sociedade em geral por meio de influenciadores digitais. A conscientização é importante para a aderência do movimento”, diz Antonietta Varlese, vice-presidente de Comunicação e Responsabilidade Social Corporativa da AccorHotels América do Sul.

Este cenário abriu portas para novas opções de produtos no mercado que buscam substituir o plástico. Apontados como soluções mais sustentáveis, as maiores apostas são os canudos de papel, bambu, vidro e, até mesmo, de macarrão. A estratégia da Accor visa, primeiramente, incentivar o desuso de canudos, assim, as bebidas são servidas sem o item e, apenas se solicitado pelo hóspede, o colaborar entrega um canudo de material alternativo.

“O canudo de inox é uma opção interessante, pois é lavável e pode ser utilizado mais de uma vez. A opção de bambu também é viável, pois provém de uma fonte renovável, que é o próprio bambu. Além de ser uma opção natural, é lavável e, portanto, reutilizável, o que compensa o custo mais alto quando comparado a outros. O de papel, entretanto, ainda é o mais utilizado em estabelecimentos comerciais, justamente pelo preço mais acessível. Ele também é uma boa escolha por ser muito resistente e biodegradável”, comenta Antonietta.

A discussão sobre os efeitos do descarte de lixo no mar é antiga, porém, segundo a executiva, o boom de notícias sobre a morte de animais marinhos em decorrência dos canudos plásticos causou uma grande comoção internacional.

“Os hóspedes estão mais conscientes da importância de modificar os hábitos no que diz respeito ao uso de canudos e outros itens plásticos. Envolve responsabilidade ambiental, preservação da fauna marinha e, por isso, diz respeito à vida. O estranhamento quanto ao uso de canudos de outros materiais ou mesmo a ausência deles tem diminuído”, finaliza.

Quem é contra o banimento dos canudinhos

Para Miguel Bahiense Neto, presidente da Plastivida – Instituto Socioambiental dos Plásticos –, a educação sustentável é o pilar para que a sociedade evolua no quesito de consumo consciente. Um dos argumentos em torno do banimento dos canudinhos é justamente a falta de conscientização da população quanto ao uso e descarte adequado do produto.

Miguel Bahiense Neto

“O processo de educação poderia partir de uma lei que estabelecesse que os estabelecimentos informassem seus clientes de que os canudos plásticos estão disponíveis para serem usados em qualquer necessidade, mas, que, prioritariamente, é um local adaptado a não oferecê-los. Esta conscientização poderia até culminar em um futuro no qual os canudinhos não são mais necessários. Só que tudo isto aconteceria de forma voluntária”, afirma.

A sociedade sempre existiu com diversos materiais até meados dos anos 1950, quando o plástico começou a aparecer e substituir outras matérias-primas com eficiência e baixo custo. Basta olhar para qualquer ambiente e encontramos produtos e peças feitos de plástico.

Na construção civil, ele é utilizado imitando diversas matérias-primas com eficiência e qualidade. Naturalmente, isso cria uma guerra comercial, o que faz com que cadeias produtivas ataquem de forma inapropriada e incorporem este discurso absurdo contra o plástico. “Claro que existem problemas – como qualquer produto que chegue ao final de sua vida útil e não tenha o descarte adequado –, mas, de fato, isso virou uma batalha de todos contra o plástico”, enfatiza Miguel.

Para ele, a sociedade não vive sem o plástico. O que precisa mudar é o diálogo de entendimento sobre o material, que precisa ser reinventado para que as pessoas entendam os seus benefícios, utilizem com consciência e destinem corretamente.

O plástico nos oferece tantos benefícios e nós só precisamos devolver um: a destinação adequada para a reciclagem. Se conseguirmos isso, boa parte dos problemas futuros estará bem encaminhada. Obviamente, o que existe hoje de passivo deve ser tratado de uma forma que minimize os impactos que estão sendo causados.

O diálogo e a educação são os pilares para as pessoas aprenderem a se comportar melhor quando o assunto é consumo consciente. A decisão de proibir e colocar o plástico como vilão da história é exatamente oposta ao processo que deve ser incentivado.

“O processo de educação poderia partir de uma lei que estabelecesse que os estabelecimentos informassem seus clientes de que os canudos plásticos estão disponíveis para serem usados em qualquer necessidade, mas, que, prioritariamente, aquele é um local adaptado a não oferecê-los. Esta conscientização poderia até culminar em um futuro com consumo mais consciente, no qual os canudinhos não são mais necessários”, reforça Miguel Bahiense.

As soluções apresentadas são mais sustentáveis que o plástico?

É importante notar que as alternativas dadas são declaradas como soluções sustentáveis por quem coloca os canudos plásticos como vilão, mas elas são mais caras e, às vezes, extremamente perigosas.

Vamos começar pelos canudos de bambu. Sabemos que a parte interna do bambu é porosa, ou seja, absorve o que passa por dentro. O usuário não consegue lavar e, com o tempo, vai acumular fungos e bactérias e virar um problema de higienização.

Já o canudo de massa é dado como biodegradável por ser um tipo de alimento, mas se você olhar todo o processo produtivo até chegar ao macarrão, talvez não faça sentido. No final, ocorre o mesmo problema de destinação incorreta, o que no caso dos canudos de massa é jogar comida fora. Parece um pensamento simples, mas é um fato.

O canudo de alumínio precisa de um item de plástico para ser higienizado internamente. Ou seja, você começa a consumir mais matéria-prima porque tem o canudo e mais um dispositivo para lavá-lo. Por sua vez, o papel é um material biodegradável, mas não biodegradado. Assim como o plástico é reciclável, mas não reciclado.

“As pessoas não entendem que a reciclagem é o processo de tratamento de um produto reciclável e a biodegradação é o processo de tratamento de um produto biodegradável. Porém, para que estes processos aconteçam, nós temos que coletar seletivamente e destinar corretamente. Largar um canudo de papel no meio ambiente e esperar que ele suma não é biodegradação”, alerta Miguel.

Existe a Politica Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que foi sancionada em 2010. Já em 2015 entrou em vigor o Acordo Setorial de Logística Reversa de Embalagens. A PNRS não trata de uma matéria-prima isoladamente, o objetivo dela é ampliar a reciclagem dos materiais recicláveis.

A Plastivida é uma das signatárias deste acordo, juntamente com outras duas cadeias produtivas, alumínio e papel/papelão.

Origem do lixo plástico nos oceanos

A origem é o descarte inadequado. Se você descarta qualquer produto de forma inadequada a tendência é que ele vá causar um impacto negativo ao meio ambiente. No caso do plástico, seguramente por ter características de leveza, ele tende a cair em rios e, consequentemente, no mar. Não adianta um governo estadual achar que por estar longe do oceano, por exemplo, o não tratamento dos resíduos sólidos urbanos da cidade não vai impactar os mares.

Desde 2012 a Plastivida tem uma parceria e desenvolve estudos com o Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IOUSP), que levanta a presença do lixo nos mares e a porcentagem dos plásticos no mundo inteiro. Uma das grandes conclusões foi o fato de ter sido identificado que quanto mais degradado o ambiente marinho, pior é a gestão de resíduos sólidos urbanos daquele local. Além dos plásticos, o estudo mostra que todos os resíduos sólidos são mal tratados.

Este discurso não é levado em conta por quem se posiciona em relação ao lixo marinho. Há campanhas de banimento do plástico nas praias e nos mares, mas que esquecem que saindo da areia da praia o que se encontra é um ambiente em que as prefeituras não têm uma gestão adequada de resíduos urbanos.

Portanto, não adianta falar do lixo no mar se não discuti-lo em terra. Ao olhar apenas para os resíduos marinhos, consequentemente, ficamos de costas para a terra. Este é o grande equívoco deste processo. Resolvendo um, se resolve o outro.

Um copo plástico de 200 ml consome em seu ciclo de vida 32 ml de água. Se eu utilizar este copo duas vezes para consumir água, esta-se ingerindo 400 ml. Um copo de vidro do mesmo tamanho gasta 1.700 ml de água para lavar. Então, que movimento é este que não entende o que é impacto ambiental?

Claro que se não houver destinação correta deste copo para a reciclagem, o problema irá persistir. Mas este problema é possível resolver se houver uma campanha de conscientização ambiental e de reciclagem. Agora, utilizar 1.700 ml de água para lavar algo que me serviu 400 ml não me parece lógico. São exemplos de estudos que foram feitos e que mostram que a decisão de ser algo de uso único, como o canudo, depende de nós.

O que a indústria pode fazer para reverter os danos causados pelo material, principalmente na questão do microplástico

Segundo Miguel, “quando nos aproximamos da realização dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro em 2016, a mídia passou a falar bastante da poluição da Baía de Guanabara e na possibilidade de uma sacola plástica ser a vilã de toda a história. Aquilo me instigou de tal maneira que, na época, pedi um estudo ao Alexander Turra, professor titular do IOUSP, sobre a contaminação do local.”

O estudo foi divulgado em uma revista cientifica brasileira, na qual apontava que a poluição embaixo d’água revelava tantos outros problemas maiores que o próprio plástico, como, por exemplo, o esgoto sanitário.

Um dos males é o microplástico, porém, é importante dizer que ele tem várias vertentes. Por exemplo, um dos maiores problemas gerados em terra e que chega aos mares é borracha de pneus. O pneu foi feito para desgastar e durante o atrito com o asfalto ele vai soltando pedacinhos. No momento em que chove e venta, este microlixo é transportado ao mar.

“Quando nós fizemos a análise da presença dos plásticos nos mares com a USP, observamos que uma parte do lixo presente eventualmente nas praias pode vir da própria indústria, através dos pellets – aquelas bolinhas de plástico antes de virar um produto”, revela Miguel. Apesar de ser um volume irrisório (0,01%), ele está sob responsabilidade da indústria. Se aparece no mar é, provavelmente, porque caiu durante o seu transporte.

A Plastivida criou um projeto chamado Pellet Zero – muitos países já o praticam e adaptamos a realidade brasileira –, o que comprova uma preocupação com os seus processos. “Entendemos que se não mudarmos nosso comportamento, a indústria não vai perpetuar. Há uma mudança sob o ponto de vista ambiental em nossos processos, finaliza.

Fonte: portal Going Green Brasil

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *